sábado, 21 de janeiro de 2012

A delicada questão do empino de pipas


Provocação exordial
Eu também já fui criança embora muitos não creiam nisso hoje — e sempre gostei de pipas. Naqueles tempos idos, porém, havia certas especificidades que quase não se acham hoje em dia. Em primeiro lugar, a ordem jurídico-política vigente era outra (que não a capitaneada pela atual Constituição Federal de 1988). Certo, não havia muitas das conquistas obtidas de 1988 para cá. Doutro lado, porém, outrora havia muitos valores hoje quase desaparecidos. A autoridade familiar era soberana, os pais eram respeitados. Os professores — então chamados "segundos pais" — eram respeitados, na honra, na moral e no salário. Assim também os mais velhos, as autoridades.
Empinar pipa, outrora agradável e inofensiva distração, agora é potencial perigo. E é morte.
[...]
Sobre pipas

"Pipa ou papagaio é um artefato ou construto que consiste em armação de varetas de bambu, ou de outro qualquer material, coberta de papel fino ou de outro qualquer material, e que, por meio de um cordel ou de uma linha de qualquer material, com ou sem cerol ou artefato ou produto cortante, se empina, mantendo-se no ar, para propósitos desportivos ou de pesquisa científica."
Pipa é um artefato aeronáutico simples, de construção e forma algo variadas, e de configuração sui generis, que pode ser utilizada para diversão e lazer, comunicação e sinalização a distância, bem como para pesquisas científicas. Conquanto os registros históricos antigos evidenciem seu uso primordial para comunicação e sinalização à distância, por meio de códigos de formatos, cores, símbolos e movimentos, com a finalidade estratégica militar e, já na idade moderna (e desde então), para fins de pesquisa científica, é, contudo, no uso para diversão e lazer que ela se acha amplamente popularizada. Com efeito, empinar pipa é um agradável descanso. De ordinário, quem se dedica a essa atividade envolvente ingressa num delicado ritual que começa com a escolha da forma e dos materiais construtivos, a construção em si (que é uma arte, uma ciência e uma técnica) e, por fim, a estreia aeronáutica (o empino em si, com seus ajustes). Muitos formatos e tamanhos e cores, empinar pipas pode ser verdadeira terapia antiestresse.
Essa predominância no uso do empino de pipa mais como elemento de diversão (e, portanto, sua caracterização primordial como brinquedo social) é analisada por QUEIROZ E MELO (2010), em seu estudo A pipa e os quatro significados da mediação sociotécnica: articulações possíveis entre a Educação e a Psicologia para o estudo de um brinquedo. E é justamente esse enfoque à função-objetivo lúdica que convalida o fundamento deste artigo: a pipa como brinquedo.
Eu bem sei disso, pois empinei muita pipa até que... um certo dia, alguém apareceu com uma "novidade" que logo atraiu a atenção de muitos. Consistia em moer vidro de lâmpadas elétricas queimadas e misturá-las num "grude" (assim se chamava naquela época o preparado artesanal, caseiro, feito com polvilho dissolvido em água, e logo aquecido e misturado até chegar ao "ponto" de consistência adequado). Era uma cola caseira. Juntando-se-lhe o vidro previamente moído...resultava uma pasta cortante. Aquilo era aplicado ao "pescoço da linha para o empino da pipa" (a parte imediatamente presa à pipa, numa extensão de dez a quinze metros. Tudo o que importava era dotar a pipa, já no ar, de poder de combate cortante contra outras pipas de outros empinadores. Estava inventado o cerol. Talvez outros também tenham percebido — não o sei — a iminência daquele perigo noviço. Na minha ingenuidade de criança já fortemente instruída, todavia, com valores familiares de respeito à vida — eu bem me lembro de que intui perigo naquela inovação. Assim, pois, deixei de empinar as minhas pipas (sempre foram sem cerol...), pois não havia mais lugar para o empino sadio, o simples prazer de fazê-la alçar voo e lhe produzir esplêndidas reviravoltas no ar. Até o entardecer, até cansar... Até o dia seguinte... Até...
Diz-se que o cerol teria sido inventado no Rio de Janeiro. Não o sei (até o presente). Contudo, de lá para cá, a criatividade e o engenho humanos, que podem ser postos a serviço quer do bem quer do mal (sem apreciações de simplismo maniqueísta, por favor...), têm produzido um arsenal de mais novidades perigosas: a cruzeta cortante, que consiste numa pequeníssima formação de duas frações de lâmina de barbear amarradas em cruz e presas na região do pescoço da linha de empino da pipa (que é onde se dão as laçadas de competição e os cortes de linha do adversário...) e, mais recentemente, a chamada linha chilena, que corta quatro vezes mais que a linha com cerol comum! Essa recente novidade consiste num "aperfeiçoamento" da linha com cerol tradicional, com duas ou três particularidades estarrecedoras: (1ª) em lugar do vidro comum, usa mistura de quartzo moído e óxido de alumínio, veiculados em cola mais forte; (2ª) é (pasmem!...) industrializada, portanto de produção em massa; (3ª) é muito mais resistente e muito mais perigosamente cortante que a [já perigosíssima] linha preparada com cerol comum. Tudo isso é de comercialização e uso livres a quem interessado for... Basta buscar que acha.
Por falar em "a quem interessar"..., igualmente estarrecedor e de suma gravidade, a reclamar pronta e rigorosa intervenção do Poder Público, é o fato alarmante de que adultos de mais de vinte, trinta ou quarenta anos estão protagonizando esse absurdo: eles não apenas praticam, despudorada e irresponsavelmente, essa atividade causadora de morte, como iniciam crianças e jovens nessa bestialidade, que acaba por tornar-se vício, destruidor como qualquer outro vício.

Flagelo social
O fato incontestável é que, com a invenção e o uso do cerol — e, posteriormente, com os "aperfeiçoamentos" dessa arma letal — criou-se um problema social gravíssimo, que tem resultado, desde então, em muitas mortes humanas, além de danos ambientais e patrimoniais vários, entre tantos inconvenientes. Por isso, é dito, nesse artigo, um FLAGELO SOCIAL.
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Estatísticas precárias
Conforme minhas pesquisas até o presente, ainda não há estatística temática precisa, mas, conforme levantamentos da Associação Brasileira de Motociclistas – ABRAM, acontecem cerca de 100 casos por ano no Brasil, de acidentes envolvendo linhas com cerol, dos quais 50% (cinquenta por cento) são GRAVES e 25% (vinte e cinco por cento) são FATAIS. Contudo, pode-se depreender, com segurança, embora ainda sem quantificação complementar, que o verdadeiro número total anual (que inclui montantes não revelados, por várias razões) seja significativamente superior aos atuais valores apurados.
Sobre a abrangência e a significância das estatísticas disponíveis, cabem vários questionamentos:
1) Quando se fala em acidente, fatal ou não fatal, implicitamente está-se considerando apenas o evento que vitima o ser humano, fato considerado mais grave. Mas... e os demais?
2) Não se incluem nessas estatísticas, portanto, eventos que vitimem animais ou plantas, bem como os que causam dano apenas ambiental ou apenas patrimonial. Por que são olvidados?
3) Ainda no domínio especificamente humano, não se anotam os eventos que implicam perturbação da paz e do sossego ou de familiares, ou — desafortunada, mas principalmente — de terceiros (vizinhos ou outros). Já se indagaram sobre a perturbação alheia?

Nota-se, assim, que ao tratar de estatísticas completas nessa matéria, ainda há, sem dúvida, muito a ser aperfeiçoado, tanto qualitativa, como quantitativa e ontologicamente. Com efeito: que levará um indivíduo por suposto normal, equilibrado e sadio sob todos os aspectos, familiar, pessoal, bem como psicossocial, a se comportar assim  —  sob o pretexto de apenas diversão, mas ao irresponsável arrepio da boa ordem, respeito, segurança e sossego sociais , causando ou sendo potencial causador de tantos horrores, inclusive a morte do seu semelhante?
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Algumas imagens desse estarrecedor FLAGELO SOCIAL podem ser vistas aqui.
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Isso posto, a questão urgentíssima que se nos impõe é: até que ponto de gravidade numérica de estatísticas comprovadas permaneceremos inertes, sem qualquer providência que estanque de vez esse morticínio? Precisamos deixar as coisas se agravarem primeiro, ou somos capazes de, numa retomada saudável de consciência social, colocar um paradeiro já nesse absurdo?
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Publicação em jornal
O artigo a seguir publicou-se no jornal Diário da Amazônia, em 2003. Seu fim precípuo era (e ainda é!...) sensibilizar a autoridade pública e a sociedade (só a rondoniense, na ocasião...) sobre a urgência de se tomarem medidas sérias no tocante ao "empino urbano de pipas". Foi articulado em paródia da clássica indagação reportada por Lacan, "A bolsa ou a vida?". Lacan cita um relato da escolha que mostra essa situação: a ameaça de um ladrão, que pergunta à vítima: “Ou a bolsa ou a vida”. Na verdade, não seria uma pergunta, mas a escolha lógica e única: “Você perde a bolsa e ganha a vida” ou “Perde a bolsa e perde a vida” (nesse caso, ao tentar, talvez, manter a bolsa, vem a consequente perda da vida. E da bolsa...). Fato análogo dá-se no caso da pipa em área urbana: ou se regulamenta severamente o uso urbano da pipa para preservar a vida, ou se não interfere em tal situação, vindo a consequente perda da vida. Nesse caso, a perda de inúmeras vidas, em estatística progressivamente crescente.

Os fatos mostram, pois — gritam! — que essa gravidade atinge a todo o território nacional.
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Vejamos, então, o artigo que foi publicado naquele 2003 pelo Diário da Amazônia...


A pipa ou a vida?
Egídio Campos*
Já foi apresentado à Câmara Municipal de Vereadores de Porto Velho – RO, um projeto de lei municipal sobre a prática regrada e segura do empino de pipas em Porto Velho. Na verdade, esse projeto já foi apresentado também à Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia. Por fim, na esfera da união, foi ele encaminhado à apreciação dos dirigentes máximos de cada um dos três poderes constituídos. Tudo isso ocorreu no primeiro semestre de 2003. A despeito de todos esses diligentes e esperançosos encaminhamentos — e dada a preclara gravidade e urgência de sua apreciação em vista dos constantes acidentes que têm vitimado tantos cidadãos, reféns da “linha cortante”, muitas vezes fatais, não houve qualquer manifestação. O projeto de lei em questão, no entanto, é essencialmente simples, objetivo e de aplicabilidade imediata. Resta, portanto, tão somente, apreciá-lo nas instâncias competentes e, de pronto, efetivamente torná-lo lei.
A que se destina? Bem, o texto é claro em si, mas importa dizer que nenhum outro município brasileiro dispõe –– segundo consta –– de lei tão abrangente, aparentemente severa, porém segura de fato, vez que trata o problema de modo amplo, curativa e preventivamente.
Com efeito, muitos outros municípios contemporizaram paliativamente o mérito –– em verdade contornando-o, sem o resolverem. Como? As suas leis, quando existem, proíbem apenas o uso do cerol (!)... Ora, todos sabemos que o usuário-empinador, quando prepara a sua pipa com cerol (e outros cortantes)  fá-lo apenas na extensão de cerca de dez a quinze metros próximos à pipa. O resto não tem (!) cerol. Aí é que mora o primeiro perigo. Pois no preparo (aplicação do cerol aos dez ou quinze metros, a linha para o empino é usualmente estendida de modo oblíquo… nas ruas. Desafortunadamente, em altura do pescoço ou do rosto de passantes, a pé ou –– gravíssimo –– de bicicleta ou de motocicleta. Eis, então, alguém –– vítima consumada –– ou de pescoço cortado (muitas vezes, seguindo-se à morte), ou quando pouco, deformado (nos olhos, no nariz etc.). Ademais, no empino e na descida da pipa, a periclitação é clara. Nas disputas oriundas dos cortes no ar, trechos de linha preparada vêm ao chão e… perigo, novamente. A conduta dos usuários (e assistentes), no empino e na disputa, nos expedientes de resgate (pegar primeiro a pipa que “queidou”) é invasiva, com entradas sempre desastrosas e traumáticas (não autorizadas!) em imóveis alheios, derrubadas de roupas, subidas e estragos em plantações, telhados (!) etc.. Adicione-se a tudo isso ainda o perigo adicional do empino de pipas dentro do perímetro urbano, portanto nas proximidades da rede elétrica de distribuição (até mesmo de linhas de transmissão). As literaturas e os anais técnicos especializados consignam várias mortes por tal causa.
A lei ora projetada visa coibir tudo isso. O seu cunho social é inegável e dispensa acréscimos. Ademais, o cunho político é consentâneo. Tudo reunido significa que Porto Velho terá a mais avançada lei específica em todo o Brasil, será vanguarda nacional. Holisticamente correta, quiçá cative até interesses de organismos internacionais. Orgulhos à parte, pugnemos juntos pelo bem-estar social, que todos queremos alcançar. Esse projeto já foi apresentado à discussão em fórum universitário, no âmbito da Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR. O autor vem, agora, à sua presença –– cidadã, cidadão, solicitando-lhe apoio. O autor conclama a grande mídia organizada, nos vários segmentos, a exercer aquele papel único que a sua virtude lhe confere: esclarecer e informar. O crédito seja tributado à classe, à Universidade e à sociedade.


* O autor é Advogado, Engenheiro e Professor.


Encaminhamento à Prefeitura do Município de Porto Velho

OFÍCIO N.º ____________                                     Porto Velho, 16 de julho de 2003.

Assunto: Encaminhamento de projeto de lei à apreciação do Executivo Municipal.

Excelentíssimo Senhor Prefeito,

Pelo presente, temos a honra de passar às mãos de Vossa Excelência:
1) Projeto de lei municipal dispondo sobre a prática regrada e segura do empino de pipas em Porto Velho; e
2) Exposição de motivos pertinente, que fundamente a remessa do projeto à Câmara Municipal de Vereadores.
Aproveitamos a oportunidade para lembrá-lo da enorme significância social — e do saudável reflexo político, lato sensu, que tal medida propiciará.
Renovamos-lhe os nossos votos de sucesso,
Respeitosamente,
Porto Velho – RO, 16 de julho de 2003.
EGÍDIO FURTADO CAMPOS
Advogado, Engenheiro e Professor
e, sobretudo, cidadão
69.3225.0356
egidiofc@gmail.com
Anexo(s):
è Exposição de motivos ad causam;
è Projeto de lei sub examine. 

Exposição de Motivos à Prefeitura do Município de Porto Velho

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO PROJETO DE LEI SOBRE PIPAS E ACESSÓRIOS
PROJETO DE LEI N.º ____, DE ___/___/2003
Em 16 de julho de 2003

Excelentíssimo Senhor Prefeito,

Sentimo-nos honrados em passar às mãos de Vossa Excelência o presente projeto de lei sobre a regulamentação do empino de pipas (com seus acessórios) no âmbito da nossa Capital.
Sabe Vossa Excelência da especial importância do assunto em exame. De fato, apesar de haver no ordenamento jurídico municipal dispositivo legal que impõe proibições pertinentes, estas estão muito longe de serem eficazes, menos ainda de resolverem definitivamente o problema.
Problema, realmente. Conquanto aparentemente simples, é, na verdade, de enorme gravidade — comprovado flagelo social — pois que tem ceifado muitas vidas e deformado ou inutilizado tantas outras, além dos danos ambientais e patrimoniais diretos e indiretos que tem ocasionado.
Excelência, em nosso tempo de infância e juventude, a prática do empino de pipas já constituía motivo de sensível preocupação e alerta para os pais (ou responsáveis), para os vizinhos, para as empresas concessionárias de energia elétrica, e para as autoridades constituídas, em virtude de:
a) periclitação de vida humana ou efetiva ocorrência de lesão ou óbito do usuário-empinador de pipa (ou de assistente, de ordinário ativamente envolvidos com a prática), em virtude de entradas invasivas em imóveis alheios (alguns com presença de cão de guarda, outros com ofendículos vários, como muros com arames farpados, cercas eletrificadas, vidros etc., ou por eventual providência de rechaço oposto pelo morador, em defesa legitima de seu direito), bem como de enfrentamento descuidado e intempestivo do trânsito, ou ainda de descargas ou choques elétricos advindos de contatos (de equipamentos de empino ou, mesmo, de pessoas) com redes de distribuição ou, até, linhas de transmissão de energia elétrica no local;
b) perturbação da paz, da segurança e do sossego públicos, em virtude das práticas invasivas características da atividade de empino — e, principalmente, de disputas — de pipas;
c) potencialidade de dano ou efetiva causação de dano tanto ambiental como patrimonial, resultante dos expedientes de resgate de pipa caída, acidentalmente ou em virtude de disputa, caso último (a disputa de pipa caída) que era, naqueles tempos, bem mais raro (além de muito menos ofensivo) do que na atualidade, em todo o Brasil, não apenas em Porto Velho.
Entretanto, naquele tempo, não havia ainda o cerol. Este logo apareceu e acrescentou inúmeros perigos àquela que deveria ser uma prática agradável e terapêutica para crianças e para adultos. Eis que aquilo que, antes era apenas episodicamente de disputa (mas sem perigos), passou a ser quase que tão somente de disputa, tudo com o agravante múltiplo oriundo do uso do cerol.
Que fazer? A experiência, por todo o Brasil, tem mostrado largamente que “o expediente de apenas proibir a fabricação, a comercialização ou o uso do cerol ou similares” não resolve, em hipótese alguma, o problema. Antes, disfarça-o. Pior: vela-o sob o manto da legalidade.
Eis-nos, pois, no dilema “A PIPA OU A VIDA?”, paráfrase de lema de segurança bem conhecido.
Estamos absolutamente convencidos de que a inarredável escolha pela vida, em sua plenitude, deve ser respaldada por atitudes que a convalidem firmemente, para não se recair no vazio apenas retórico e simplista de tantos expedientes legais inócuos que têm sido criados pelo Brasil afora. Todos sabemos que dizer em lei “é proibido o uso do cerol”, ainda que devidamente caracterizado, vira palavra vazia, letra morta, pois o usuário-empinador sabe muito bem enganar o eventual fiscal. Com efeito, o perigo mora mais em cima, fato trágico tanto para o caso da pipa no ar, como para o caso da pipa caída ou “em preparo de aplicação do cerol, secando”, oblíquas às ruas.
Este, portanto, é o propósito do presente projeto de lei. A que se destina ele? Bem, o texto é suficientemente claro em si, mas importa dizer que nenhum outro município brasileiro dispõe de lei tão abrangente, aparentemente severa, porém segura de fato, vez que trata o problema de modo amplo. Não há –– segundo nos consta –– em todo o Brasil, outro que lhe seja semelhante, por abrangente, inovador e ousado. Ademais, no que de fato importa, efetivamente eficaz.
Com efeito, outros municípios apenas contemporizaram paliativamente o mérito – em verdade contornando-o, sem o resolverem, expedindo leis de proibição relativas ao uso do cerol.
Como? As suas leis, quando existem, proíbem apenas o uso do cerol (!). Ora, todos sabemos que o usuário-empinador, quando prepara a sua pipa com cerol e/ou outros cortantes, fá-lo apenas na extensão de cerca de dez a quinze metros próximos da pipa. O resto não tem (!) cerol. Aí é que mora o primeiro perigo. Pois no preparo (aplicação do cerol aos tais dez ou quinze metros, a linha é usualmente estendida de modo oblíquo… nas ruas. Desafortunadamente, em altura do pescoço ou do rosto de passantes, a pé ou — gravíssimo — de bicicleta ou de motocicleta. Eis, então, alguém — vítima — ou de pescoço cortado (muitas vezes, seguindo-se a morte), ou deformado (nos olhos, no nariz etc.). No empino e na descida da pipa, a periclitação é clara. Nas disputas oriundas dos cortes no ar, trechos de linha preparada vêm ao chão e… perigo, novamente.
A conduta dos usuários (e de assistentes...), no empino e na disputa, nos expedientes de resgate (pegar primeiro a pipa que “queidou”) é invasiva, com entradas desastrosas (não autorizadas!) em imóveis alheios, derrubadas de roupas, subidas e estragos em plantações e em telhados (!) etc..
Adicione-se a tudo isso ainda o perigo adicional do empino de pipas dentro do perímetro urbano, e, consequentemente, nas proximidades da rede elétrica de distribuição (e, até mesmo, de linhas de transmissão). As literaturas e os anais técnicos consignam várias mortes por tal causa.
A lei proposta, ora na forma de projeto, visa coibir tudo isso. O seu cunho social é inegável, dispensa acréscimos. O cunho político é consentâneo. Tudo reunido significa que Porto Velho terá a mais avançada lei específica em todo o Brasil, será vanguarda nacional. Holisticamente correta, quiçá venha ela cativar até interesses e apoios vários, inclusive de organismos internacionais.
Orgulhos à parte, pugnemos juntos pelo bem-estar social, que todos queremos alcançar.
Esse projeto já foi apresentado à discussão em fórum universitário. O autor vem, agora, à sua presença –– Excelentíssimo Senhor Prefeito — solicitando-lhe apoio. O crédito seja tributado à classe, à Universidade, a essa Administração Municipal e à sociedade que o terá.
Está, pois, em suas mãos, um ótimo projeto de lei municipal sobre a prática bem regulamentada e efetivamente segura do empino de pipas em Porto Velho. No início do processo legislativo, basta encaminha-lo à Câmara Municipal de Vereadores. Torne-se lei, para o bem de todos.
Aproveitamos a oportunidade para externar a Vossa Excelência os nossos votos de pleno êxito na desincumbência da administração municipal da nossa querida Porto Velho.
Respeitosamente,
Porto Velho – RO, 16 de julho de 2003.
EGÍDIO FURTADO CAMPOS
Advogado, Engenheiro e Professor
e, sobretudo, cidadão
69.3225.0356

Encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO PROJETO DE LEI SOBRE PIPAS E ACESSÓRIOS
PROJETO DE LEI N.º ____, DE ___/___/2003
Em 16 de julho de 2003
Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal,

Conquanto seja, de dever e de direito, no nosso ordenamento jurídico, competência do Executivo em esfera Municipal a iniciativa de projetos de lei que tratem diretamente de matérias de interesse local (domínio  municipal) –– dada a excessivamente prolongada demora no encontro da solução necessária e suficiente sobre o assunto do qual passaremos a tratar, sentimo-nos tanto no direito como no dever de submetê-lo à superior apreciação da Corte Maior, em sua pessoa.
Trata-se da matéria “prática regrada e segura do empino de pipas”. Logo, prática regulamentada.
Por que tomar o precioso tempo da Corte Suprema para exame de assunto somenos importante? Por isto: (1) é fato concreto que o assunto não está sendo resolvido a contento nos níveis de competência legislativa e judicativa municipais, como resta amplamente comprovado no país todo; e (2) estão-se avolumando muito, decorrentes do empino irregular de pipas, sucessivos óbitos, deformações, inutilizações etc. –– vidas que poderiam ter continuado, mas que são precocemente ceifadas ou mutiladas. Tudo isso porque, quando muito há um inócuo “é proibido usar cerol” ou similar expresso nalguma insensata lei municipal… Como se isso resolvesse a questão! De fato, o tempo tem passado e efetivamente nada de eficaz foi feito no sentido de se coibir esse mal.
Ora, Excelência, essa não é uma casa legislativa prima facie –– sabemo-lo, senão a Casa do Fiel da Balança. Mas, essa Casa prima pela Justiça –– a Justiça Justa, no dizer de Fernando Tourinho, em seu discurso de posse como presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 17/04/2000. Deve então ela ocupar-se primeiramente do quê, no tocante à Justiça? Sem circunlóquios, a nosso juízo, é da Justiça Una que deve ocupar-se essa Casa da Justiça.
Eis o porquê do presente encaminhamento a essa Corte, inobstante a competência originária das municipalidades no trato da matéria, pois o fato constitui epidemia cultural e flagelo social.
Ao submetermos o presente modesto projeto de lei à sua superior consideração, fazemo-lo na firme convicção de usar, por necessidade e para o bem de todos, o remédio mais forte.
Imaginamos, também, no raciocínio top-down, que se esse texto receber aprovação do Conselho Augusto da Justiça, venha ser referendado como modelo a ser adotado nos vários milhares de municípios do nosso sempre insuficientemente amado e cuidado Brasil. Não há, aqui, qualquer afetação ou apelo de vaidades vãs. Interessa, logo, o resultado que contemple a todos.
Sabe Vossa Excelência da especial importância do assunto em exame. Com efeito, apesar de existirem esparsamente, em ordenamentos jurídicos municipais, disposições legais restritivas no mérito, ainda são muito ineficazes, estão longe de resolver definitivamente o problema.
Problema, realmente. Conquanto aparentemente simples, é, na verdade, de enorme gravidade, pois tem ceifado muitas vidas e mutilado tantas outras, além dos danos ambientais e patrimoniais diretos e indiretos que tem ocasionado. É, conforme já dito, um verdadeiro flagelo social.
Em nosso tempo de infância e juventude, a prática do empino de pipas já constituía motivo de sensível preocupação e alerta para os pais (ou responsáveis), para os vizinhos, para as empresas concessionárias de energia elétrica, e para as autoridades constituídas, em virtude de:
a) periclitação de vida humana ou efetiva ocorrência de lesão ou óbito do usuário-empinador de pipa (ou de assistente, de ordinário ativamente envolvidos com a prática), em virtude de entradas invasivas em imóveis alheios (alguns com presença de cão de guarda, outros com ofendículos vários, como muros com arames farpados, cercas eletrificadas, vidros etc., ou por eventual providência de rechaço oposto pelo morador, em defesa legitima de seu direito), bem como de enfrentamento descuidado e intempestivo do trânsito, ou ainda de descargas ou choques elétricos advindos de contatos (de equipamentos de empino ou, mesmo, de pessoas) com redes de distribuição ou, até, linhas de transmissão de energia elétrica no local;
b) perturbação da paz, da segurança e do sossego públicos, em virtude das práticas invasivas características da atividade de empino — e, principalmente, de disputas — de pipas;
c) potencialidade de dano ou efetiva causação de dano tanto ambiental como patrimonial, resultante dos expedientes de resgate de pipa caída, acidentalmente ou em virtude de disputa, caso último (a disputa de pipa caída) que era, naqueles tempos, bem mais raro (além de muito menos ofensivo) do que na atualidade, em todo o Brasil, não apenas em Porto Velho.
Entretanto, naquele tempo, não havia ainda o cerol. Este logo apareceu e acrescentou inúmeros perigos àquela que deveria ser uma prática agradável e terapêutica para crianças e para adultos. Eis que aquilo que, antes era apenas episodicamente de disputa (mas sem perigos), passou a ser quase que tão somente de disputa, tudo com o agravante múltiplo oriundo do uso do cerol.
Que fazer? A experiência, por todo o Brasil, tem mostrado largamente que “o expediente de apenas proibir a fabricação, a comercialização ou o uso do cerol ou similares” não resolve, em hipótese alguma, o problema. Antes, disfarça-o. Pior: vela-o sob o manto da legalidade.
Eis-nos, pois, no dilema “A PIPA OU A VIDA?”, paráfrase de lema de segurança bem conhecido.
Estamos absolutamente convencidos de que a inarredável escolha pela vida, em sua plenitude, deve ser respaldada por atitudes que a convalidem firmemente, para não se recair no vazio apenas retórico e simplista de tantos expedientes legais inócuos que têm sido criados pelo Brasil afora. Todos sabemos que dizer em lei “é proibido o uso do cerol”, ainda que devidamente caracterizado, vira palavra vazia, letra morta, pois o usuário-empinador sabe muito bem enganar o eventual fiscal. Com efeito, o perigo mora mais em cima, fato trágico tanto para o caso da pipa no ar, como para o caso da pipa caída ou “em preparo de aplicação do cerol, secando”, oblíquas às ruas.
Este, portanto, é o propósito do presente projeto de lei. A que se destina ele? Bem, o texto é suficientemente claro em si, mas importa dizer que nenhum outro município brasileiro dispõe de lei tão abrangente, aparentemente severa, porém segura de fato, vez que trata o problema de modo amplo. Não há –– segundo nos consta –– em todo o Brasil, outro que lhe seja semelhante, por abrangente, inovador e ousado. Ademais, no que de fato importa, efetivamente eficaz.
Com efeito, outros municípios apenas contemporizaram paliativamente o mérito – em verdade contornando-o, sem o resolverem, expedindo leis de proibição relativas ao uso do cerol.
Como? As suas leis, quando existem, proíbem apenas o uso do cerol (!). Ora, todos sabemos que o usuário-empinador, quando prepara a sua pipa com cerol e/ou outros cortantes, fá-lo apenas na extensão de cerca de dez a quinze metros próximos da pipa. O resto não tem (!) cerol. Aí é que mora o primeiro perigo. Pois no preparo (aplicação do cerol aos tais dez ou quinze metros, a linha é usualmente estendida de modo oblíquo… nas ruas. Desafortunadamente, em altura do pescoço ou do rosto de passantes, a pé ou – gravíssimo – de bicicleta ou de motocicleta. Eis, então, alguém – vítima – ou de pescoço cortado (muitas vezes, seguindo-se a morte), ou deformado (nos olhos, no nariz etc.). No empino e na descida da pipa, a periclitação é clara. Nas disputas oriundas dos cortes no ar, trechos de linha preparada vêm ao chão e… perigo, novamente.
A conduta dos usuários (e de assistentes...), no empino e na disputa, nos expedientes de resgate (pegar primeiro a pipa que “queidou”) é invasiva, com entradas desastrosas (não autorizadas!) em imóveis alheios, derrubadas de roupas, subidas e estragos em plantações e em telhados (!) etc..
Adicione-se a tudo isso ainda o perigo adicional do empino de pipas dentro do perímetro urbano, e, consequentemente, nas proximidades da rede elétrica de distribuição (e, até mesmo, de linhas de transmissão). As literaturas e os anais técnicos consignam várias mortes por tal causa.
A lei proposta, ora na forma de projeto, visa coibir tudo isso. O seu cunho social é inegável, dispensa acréscimos. O cunho político é consentâneo. Tudo reunido significa que Porto Velho terá a mais avançada lei específica em todo o Brasil, será vanguarda nacional. Holisticamente correta, quiçá venha ela cativar até interesses e apoios vários, inclusive de organismos internacionais.
Orgulhos à parte, pugnemos juntos pelo bem-estar social, que todos queremos alcançar.
[...]
Está, pois, em suas mãos, um ótimo projeto de lei municipal sobre a prática regrada e segura do empino de pipas em domínios urbanos, não apenas em Porto Velho. Resta torná-lo lei, para o bem de todos. Resta torná-lo realidade –– condão inestimável que se acha, cremos, nas mãos de Vossa Excelência, pela via de convalidação top-down em recomendação às municipalidades.
[...]
Aproveitamos a oportunidade para externar a Vossa Excelência os nossos votos de pleno êxito na desincumbência da administração da Justiça em nosso Brasil.
Respeitosamente,
Porto Velho – RO, 16 de julho de 2003.
EGÍDIO FURTADO CAMPOS
Advogado, Engenheiro e Professor
e, sobretudo, cidadão
69.3225.0356

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O texto do proposto projeto de lei refere-se apenas ao Município de Porto Velho, pelo fato de haver sido concebido aqui. Não foi, ainda, apreciado pela Casa Legislativa local. Aplica-se, porém, a todos os quase seis mil municípios brasileiros.

[i] Exposição de motivos redigida por Egídio Campos, Advogado, Engenheiro e Professor, autor do projeto de lei exposto, quando ainda graduando em Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR.

Projeto de Lei sobre o uso regulamentado de pipas

PROJETO DE LEI N.º _____, DE ___ DE _____________ DE 2003 [i]

Estabelece normas e fixa sanções relativas ao empino
de pipas e acessórios, e dá outras providências.

O POVO DO MUNICÍPIO DE PORTO VELHO, no interesse do bem-estar, da paz e da segurança da população, por meio dos seus representantes legalmente constituídos, decreta e eu sanciono a seguinte

LEI


Art.1º. Fica proibido o empino de pipas e de seus acessórios em todo o Município de Porto Velho, exceto em áreas especificamente autorizadas ou projetadas para tal fim.
§ 1º. Para os fins desta Lei, entende-se por:
I – pipa ou papagaio, o construto que consiste em armação de varetas de bambu, ou de outro qualquer material, coberta de papel fino ou de outro qualquer material, e que, por meio de um cordel ou de uma linha de qualquer material, com ou sem cerol ou artefato ou produto cortante, se empina, mantendo-se no ar, para propósitos desportivos ou de pesquisa científica;
II – cerol, o produto originário da mistura de cola de qualquer natureza e vidro ou outro qualquer material cortante moído em qualquer grau de pulverização.
III – artefato ou produto cortante, qualquer peça ou conjunto de peças cortantes.
§ 2º. Lei específica disporá sobre a criação de pipódromos, áreas concebidas e projetadas para atender, com adequado respeito e segurança humana, ambiental e patrimonial, à prática desportiva e de lazer de empino de pipas, assim como fixará as regras pertinentes.
Art. 2º. O descumprimento do estatuído nesta Lei sujeitará os infratores usuários, bem como aos seus responsáveis legais, às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras cabíveis sanções civis e ou penais previstas em lei:
I – Por potencialidade de dano patrimonial ou por periclitação de vida humana:
a) Na primeira ocorrência, apreensão de toda a produção e estoque e advertência para imediata cessação da prática infracional, com lavratura do auto de infração respectivo;
b) Na segunda ocorrência, denúncia ao Ministério Público do Estado, para que instaure processo pertinente, civil e ou penal, conforme cabível.
II – Por efetiva ocorrência de dano patrimonial, ambiental, de lesão corporal, ou de morte humana:
a) Imediato acionamento do Ministério Público do Estado, para que instaure processo pertinente, civil e ou penal, conforme cabível;
b) Concomitante diligência policial no sentido de apurar todos os envolvidos na fabricação, na comercialização e no uso dos quais resultaram dano patrimonial, ambiental, ou lesão corporal ou morte humanas, aos quais serão aplicadas as sanções cabíveis.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, entende-se por:
I – Dano patrimonial: qualquer avaria ou estrago resultante da entrada não autorizada de pessoa em imóvel alheio, em atividade de resgate de pipa ou acessório ali caído ou nas suas proximidades, ou em consequência ou conexão com a prática do empino de pipa;
II – Dano ambiental: qualquer dano, ainda que reversível, impingido ao meio ambiente, em razão da prática do empino de pipa, incluídos os integrantes da flora e da fauna;
III – Lesão corporal humana: qualquer lesão resultante do impacto de pipa com pessoa, ou do efeito cortante de cordel ou de linha preparada com cerol ou com artefato ou produto cortante em qualquer posição, ou ainda dos expedientes de resgate de pipa caída;
IV – Morte humana: qualquer morte de pessoa humana, resultante do impacto de pipa consigo, ou do efeito cortante de cordel ou de linha preparada com cerol ou com artefato ou produto cortante em qualquer posição ou ainda dos expedientes de resgate de pipa caída, ou ainda de qualquer forma relacionada com o empino de pipas ou de qualquer das atividades conexas de preparo.

Art. 4º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 5º. Revogam-se as disposições em contrário.
Porto Velho – RO, <dia> de <mês> de 2003
<Nome e Sobrenome do Prefeito>
Prefeito do Município de Porto Velho



[i] Projeto de lei de autoria de Egídio Campos, Advogado, Engenheiro e Professor (egidiofc@gmail.com).


Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (atualizada). Brasília: Senado, 2012.
CAMPOS, Egídio Furtado. Exposição de Motivos ao Município de Porto Velho – RO.
________. Exposição de Motivos ao Executivo: Presidência da República.
________. Exposição de Motivos ao Judiciário: Supremo Tribunal Federal.
________. Exposição de Motivos ao Legislativo: Congresso Nacional.
________. Projeto de lei para uso regulamentado de pipas.
MELO, Maria de Fátima Aranha de Queiroz e. A pipa e os quatro significados da mediação sociotécnica: articulações possíveis entre a Educação e a Psicologia para o estudo de um brinquedowww.fae.ufmg.br/abrapec/revistas/V10N2/v10n2a6.pdf